
A Deusa na História
No princípio era a Mãe.
Não dispomos de provas diretas a respeito de quando ou como o Homo Sapiens se tornou um animal religioso ... desconhece-se o momento em que os humanos pré-históricos começaram a simbolizar abstrações em sua mente e a lhes prestar culto, fazer-lhes pedidos, ou aplacar sua fúria. Ou, em termos psicológicos, quando tomaram conhecimento (a princípio de forma inconsciente) dos arquétipos divinos que transcendiam sua individualidade.
Sabemos, entretanto, quando o Homo Sapiens passou a expressar esse conhecimento por meio da arte: no Paleolítico ou Antiga Idade da Pedra, após ter se tornado um animal produtor de ferramentas. Foi naquele momento que ele produziu pela primeira vez o que poderiam ser chamados de objetos de culto.
"Das esculturas da Idade da Pedra conhecidas por nós, existem cinquenta e cinco figuras femininas e apenas cinco figuras masculinas. Estas últimas, que retratam homens jovens, são incomuns e malfeitas, e certamente não tinham importância para o culto. Isso se encaixa bem ao personagem secundário do Deus masculino, que somente veio a aparecer em momento posterior na história das religiões, herdando sua posição Divina de sua mãe, a Deusa." Erich Neumann
Nas sociedades primitivas conhecidas pela história, o papel do macho na procriação não era reconhecido. O coito e a gravidez se iniciavam na puberdade, e não havia nenhuma razão evidente para se crer que o ato sexual fosse considerado a causa da concepção. Em contrapartida, acreditava-se que as mulheres concebiam da luz da Lua e de espíritos ancestrais.
Não é de se estranhar, por conseguinte, que a mulher tenha se tornado o símbolo da Mãe Terra, pois ambas geravam e nutriam a vida de forma desconhecida e misteriosa. As esculturas paleolíticas femininas eram símbolos poderosos de fertilidade, exibindo ventre e seios enormes. Não se tratavam, como evidenciam os esqueletos humanos da Era Paleolítica, de representações fiéis de mulheres que viviam naquela época, mas, sim, exageros intencionais de seus aspectos criadores e mantenedores da vida.
A primeira divindade concebida pelos seres humanos, portanto, foi a Mãe Terra.
No início, a sociedade humana era irrevogavelmente matrilinear, uma vez que o papel do macho na filiação biológica não era reconhecido. Ainda há discussões em torno de se havia ou não um matriarcado universal; porém, algumas dessas sociedades certamente eram matriarcais.
Se buscarmos nos primórdios de qualquer mitologia, ainda que esta tenha sido remodelada pelo patriarcado, ali encontraremos a Mãe Primordial.
Na Grécia, Gaia foi o primeiro ser a emergir do Caos. Dela nasceu tudo no Universo, incluindo os primeiros Deuses e a humanidade. Na Assíria, Tiamat era o Oceano Primordial, de cujas profundezas férteis, originaram-se todas as coisas viventes. Na Índia, Aditi era a Matriz Cósmica que havia criado a si mesma. Era a mãe do Sol e da Lua, e, no final das contas, de tudo o que existe. Na tradição hebraica, a Mãe Primordial sobreviveu como Lilith, que mais tarde foi demonizada pelo patriarcado. Para a Gnose, Sophia gerou o cosmos por meio de um orgasmo autoinduzido, no desejo de "conceber a partir de si mesma sem a ajuda de nenhum consorte...
Este é o padrão de todas as lendas da Criação primordial - a Mãe autocriada que dá à luz seu Filho/Consorte, e dessa polaridade inicial brota toda a manifestação.
"Texto do livro A Deusa das Bruxas - O Princípio Feminino da Divindade - Janet & Stewart Farrar"